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E se a ponta for o centro?

Se o cliente está no centro do negócio e é atendido pela ponta, talvez a ponta não seja uma ponta e a matriz não seja o centro!

Sheylli Caleffi
5 min readJan 5, 2021

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Trabalho há anos com treinamento em empresas de todo porte, principalmente grandes e multinacionais. Sei o quanto investem nisso e percebo a dificuldade de manter um protocolo ético da matriz ao que se chama de “ponta”.

Geralmente na matriz ou nas cidades maiores tudo funciona bem segundo regras e protocolos estabelecidos. As pessoas conhecem e praticam os valores da empresa e são as mais bem treinadas – e pagas. Dificilmente é na matriz que os problemas graves acontecem. Quanto mais “na ponta”, ou seja, dentro do operacional, longe do núcleo decisório, mais opiniões e hábitos pessoais entram em ação, e a cultura da empresa toma formas variadas.

O mesmo acontece em empresas pequenas onde proprietários confundem funcionários com auxiliares pessoais que devem eventualmente pagar suas contas ou pegar seus filhos na escola (algo muito comum). Acontece aí a formação de uma cultura organizacional que não corresponde as expectativas da sociedade — incluindo nela os funcionários - e mesmo as leis trabalhistas.

Hoje me deparei com o relato abaixo em um grupo. O relato já é estarrecedor e as dezenas de comentários comprovaram o quanto situações assim são comuns. Foi inevitável pra mim pensar na empresa, no esforço real e no investimento que certamente uma rede de varejo tem em treinamento. Eu tenho certeza que muita gente da própria empresa ficaria horrorizada e juraria de pés juntos que isso não tem nada a ver com os valores e o que eles se propõe a entregar pra sociedade. Mas está lá, está acontecendo! Muitas vezes com câmeras registrando.

Atendo executivos seniores que se indignam com escândalos da empresa na tal da “ponta” porque veem um esforço cotidiano de treinamento e ações positivas. Então o que acontece pra que as determinações não cheguem lá? Ou caso cheguem não sejam incorporadas no cotidiano?

Quero propor aqui algumas reflexões:

Será que estamos pensando a organização da melhor forma?

Será que essa idéia de centro e ponta periférica nos ajuda na gestão?

Será que os maiores salários e experiências devem ficar sempre na matriz?

Será que os treinamentos que oferecemos tem a qualidade necessária?

Será que estamos investindo no treinamento das pessoas que realmente precisam?

A ideia de escalonar ou escalar as decisões é eficiente?

Como estimular uma cultura de aprendizado constante?

Quando o cliente é o centro onde fica o funcionário? Ele conseguirá colocar o cliente no centro do negócio se odeia o ambiente de trabalho e se sente injustiçado?

Eu poderia ficar aqui muito tempo dividindo com vcs especulações que surgem na minha mente ao ler um relato assim.

Minha sugestão é que a gente passe a pensar a ponta como centro ou ao menos questione um pouco mais essa forma de enxergar a operação que realmente estará em contato com nosso cliente. Se ele é o centro mas o contato com ele é a nossa ponta e não o nosso centro, talvez tenhamos oportunidades de aprimoramento aí.

Eu mesma vivi recentemente como cliente de uma empresa aérea uma experiência chocante. Resumindo, a forma com que fui tratada na ponta (no embarque) e o despreparo dos funcionários me surpreenderam muito. Eu poderia atribuir a agressividade da funcionária a própria cultura em que vivemos ou a uma indisposição pessoal mas observando os colegas e com experiencia nesse tipo de treinamento a cultura da empresa ficou evidente. A cultura do medo, da falta de autonomia, do não gerenciamento de crise. A situação foi tão surreal que uma funcionária justificou “ela está muito estressada, trabalhar com aviação não é fácil”

Será que essas pessoas estão como a moça do relato abaixo?

Estamos ouvindo a “ponta” ou apenas falando e falando…

Minha atitude foi escrever ao diretor de pessoas mas ele não me deu a mínima e eu estava tão cansada que escolhi não ter o trabalho de entender como relatar o caso.

Será mesmo que o cliente no centro do negócio é uma estratégia ou uma ideia? Essa ideia é compreendida por todos na organização?

O que fará disso uma realidade e não uma blá-blá-blá da matriz que não conhece a “nossa realidade” na ponta (já ouvi essa frase de diferentes formas)

E segue o relato que despertou em mim todas essas reflexões, espero que contribua também com vocês

Publicado em um grupo, o autor autorizou essa publicação

“Vocês ja entraram em alguma empresa e não voltaram pra trabalhar no dia seguinte?

Pois eu sim e vim contar pra vocês como foi…

Fui demitida dia 10 de Novembro pois meu departamento foi fechado. Depois de uma Dezena de entrevistas fui chamada para trabalhar em um supermercado em outra cidade na minha área. Salário ótimo conivente com a minha formação, afinal sou graduada e pós graduada porém está difícil encontrar uma vaga que ofereça algo justo. Porém era o salário nú e crú, nenhum benefício. Aceitei pois gosto de trabalhar e visto a situação do nosso país ser chamada pra trabalhar com apenas um mês de desempregada parecia um sonho.

Toda vez que fui na empresa levar documentos levei um baita chá de cadeira, fiquei de 40 minutos à 1h esperando o rh me atender. Quando fui pegar meu uniforme, recebi ele sujo e usado, já comecei à achar aquilo estranho.

Em fim chegou o dia de começar no trabalho. De cara fui informada que os funcionários não poderiam usaro estacionamento do mercado, deviamos deixar nossos veículos na rua e se virar pra estacionar em uma das avenidas principais da cidade, super movimentado sendo que o estacionamento do mercado era grande e eram 2. Não existia geladeira pra guardar a marmita, e tinha um microondas para 400 funcionários. As marmiteiras abarrotadas de marmitas, 3 ou 4 uma em cima da outra. Não podiamos ficar no refeitório, por isso eles oferecem banquinhos de plásticos para os funcionários ficarem sentados na sargeta durante o horário do almoço, no sol ou na chuva. Ao final do expediente fui informada que as terças teria que entrar às 9h e sair depois das 20h. Pontualmente não teria problema, mas pegar estrada toda semana durante a noite para alguém que acabou de tirar a carta não estava nos meus planos. Fora que nada disso foi falado na entrevista, mentira atrás de mentira. No escritório as pessoas raramente levantavam de suas mesas, falavam cochichando e ao se aproximar não perguntavam como você estava, se você era nova ou davam boas vindas. Ninguém tomava café ou saia da mesa pra beber água. Pareciam um bando de robôs.

Na noite seguinte eu passei em claro e de manhã conversei com meu marido e disse que não queria voltar e ele me apoiou. Eu sei que existe vaga bem pior, mas depois de estudar tanto e pagar tanto boleto de faculdade e MBA, eu acho que eu tenho que me valorizar. Foi assim que descobri que salário não é tudo. Se eu ficasse naquela empresa ficaria doente em pouco tempo e apesar de ter perdido meu auxílio desemprego eu não me arrependo. Pelo menos em casa não tem perigo de comer algo estragado por que pelo menos tem geladeira e uma hora eu vou encontrar outro emprego com fé em Deus.”

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Sheylli Caleffi

🎤 apresentadora 🎬 treinadora de comunicação e oratória 👭trabalho para a liberdade e erradicação da violência sexual linktr.ee/sheylli